Dica n.º 114 - Sexta, 30.04.2004
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Ter que ou ter de?

Os gramáticos tradicionais resistem, com base na função sintática dos termos da oração, a aceitar as duas construções como equivalentes, ainda que esse uso seja mais do que generalizado, pelo menos no Brasil. Vejamos o que diz a Gramática tradicional:

Ter que – O verbo ter pode integrar a locução verbal ter (flexionado ou não) que + infinitivo quando, além da idéia de obrigatoriedade que o conjunto encerra, o que assume a função de pronome relativo. Neste caso, há a óbvia necessidade da existência de antecedente do tal pronome. Assim, temos: “Meu advogado tem caso importante que estudar”, “Tenho muito que fazer no sábado” e “Amanhã, Joana vai ter coisa mais urgente que tratar”. Nas três orações, que é pronome relativo e seus antecedentes são “caso importante”. “muito” e “coisa mais urgente”, respectivamente. Repare que ele é objeto direto de “estudar”, “fazer” e “tratar”.

Ter de – A construção ter (flexionado ou não) de + infinitivo também passa a idéia de obrigatoriedade e a preposição rege a forma nominal que a segue. Portanto, de nada tem a ver com antecedentes. Por isso, se o que não tem antecedente com o qual se relacionar, é indevido e deve ser substituído pela preposição de. Dessa forma, temos: “Os funcionários tiveram de sair mais cedo”, “Tenho de efetuar vários pagamentos hoje” e “Meu pai vai ter de estar em Marília no dia 30”.

Na maior parte das construções em que aparece a dupla ter + infinitivo, cabe, segundo os gramáticos, a preposição de em vez de que. Este, como vimos, só deve ser empregado se se referir a algum antecedente. A relutância dos especialistas deve-se à dificuldade de atribuir função sintática ao que sem antecedente em contextos daquele tipo. Então, a opinião dominante entre eles é a de condenar o uso, mesmo que amplamente disseminado, por impossibilidade meramente taxionômica, ou seja, de classificação. Não vemos problema em aceitar tal uso, pois a própria Gramática admite a existência de palavras “inclassificáveis”, chamadas então de palavras “que denotam algo”, como, por exemplo, somente, em “Somente João poderia ter feito isso” (denotação de exclusão), e aliás, em “Não escrevi nada, aliás, só uma página” (denotação de retificação). É verdade que estamos falando de coisas diferentes: sintaxe, no assunto desta página, e morfologia, nestes últimos casos apresentados. Entretanto, se em um tópico admitimos haver formas que não se enquadram em nenhuma categoria, por que não admitir também o emprego do que sem função definida?

De qualquer modo, recomendamos – especialmente em provas escolares, vestibulares e concursos – o seguimento da prescrição tradicional. Agindo assim, o aluno ou candidato não terá problemas com quem estiver corrigindo sua prova, notadamente se este seguir fielmente as determinações tradicionais.


Leia mais em:
Gramática metódica da língua portuguesa, de Napoleão Mendes de Almeida, § 432.

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