Dica n.º 123 - Sexta, 28.01.2005
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Estarei providenciando isso amanhã.

O que acha dessa construção, que muitas vezes ouvimos nos dias que correm? Ela na verdade é mais um exemplo de gerundismo, o uso abusivo e inadequado do gerúndio, certamente inspirada em modelo alienígena.

Se o que pretendemos é expressar a realização de ação futura, a língua portuguesa possui dois instrumentos eficientes: o futuro simples do indicativo e a locução verbal constituída do verbo “ir” no presente do indicativo + verbo principal no infinitivo não-flexionado ou impessoal. Assim, podemos dizer “Providenciarei isso amanhã”, se queremos afirmar categoricamente, ou “Vou providenciar isso amanhã”, se desejamos apenas manifestar intenção. No caso de querermos enunciar ação futura a ser realizada antes de algum fato também futuro, temos a disposição o futuro do presente composto: “Eu já terei providenciado isso (ação futura ocorrida antes) quando você passar no escritório”.

É preciso esclarecer que o gerúndio tem empregos específicos, um dos quais – e o mais freqüente – é expressar ação em processo que acontece no momento presente ou que já aconteceu, como em “Estou-te ouvindo bem” (algo que acontece neste momento), “Estamos trabalhando nesse projeto desde janeiro” (ação continuada e que permanece ocorrendo), “Só sei que Torres estava pescando hoje de manhã” e “Essas irregularidades já se vinham verificando havia meses” (ação em processo ocorrida no passado). Mais raramente, encontramos a locução com o verbo auxiliar no pretérito perfeito do indicativo: “Andei buscando esse dia” (Cecília Meireles). Reparamos então que a impropriedade do emprego do gerúndio na forma verbal contida no título verifica-se por nos referirmos a ação futura.

Não se trata aqui de pretender frear a marcha evolutiva da língua, de resto tentativa inútil quando a maioria dos falantes quer criar ou mudar alguma coisa na comunicação. Devemos, porém, atentar para a adequação da nossa expressão verbal e escolher entre as formas vernáculas consagradas pelo uso. A língua portuguesa oferece ao usuário variadas possibilidades para a expressão do pensamento. Se, mesmo assim, queremos “inventar”, podemos fazê-lo, mas por nossa conta e risco e dependeremos da adesão de todo o grupo falante.

Finalmente, se você quiser ler texto bem-humorado a respeito desse exemplo de gerundismo, clique aqui.

Leia mais em:
Dicionário de questões vernáculas, de Napoleão Mendes de Almeida, verbete Gerúndio, particípio.
Gramática metódica da língua portuguesa, do mesmo autor, §§ 942-945.
Nova gramática do português contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra, pp. 479-482.
Saite do prof. Paulo Hernandes, seção “Glossário Gramatical”, verbete Gerúndio.

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