Você sabia? n.º 25 - Sexta, 09.03.2001
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  Você sabia... que a questão da pronúncia "correta" é um pouco mais complexa do que pode parecer à primeira vista?

Pois é... Em primeiro lugar, com relação ao uso da língua, devemos distinguir a norma culta (utilizada pelas pessoas escolarizadas) da popular (característica das pessoas que passaram pouco ou não passaram pela escola), cada uma com sua gramática e padrão prosódico. Assim, certos fenômenos fonéticos históricos no português, que remontam ao latim lusitânico e ainda hoje persistem, são responsáveis por certas pronúncias consideradas "erradas". Entretanto, antes de serem tachadas de erro, elas são próprias da norma popular - portanto, aceitáveis no meio inculto como inerentes a ele - ou são regionalismos. Dessa forma, o rotacismo (pronúncia do /r/ no lugar do /l/, como em "carça", em vez de calça; "farso", em vez de falso e "carma", em vez de "calma"); o emprego dos grupos consonantais /br/ e /pr/ no lugar de /bl/ e /pl/, como em "broco", "brusa", em vez de "bloco", "blusa" e "praca", "prano", em vez de "placa", "plano"; a despalatização (produção de fonema com a língua deixando de tocar o palato ou céu da boca) com ditongação, como em "muié", em vez de "mulher"; "paiaço", em vez de "palhaço" e "véio", em vez de "velho" produzem pronúncias inaceitáveis entre os falantes cultos, mas que devem ser admitidas no meio popular. É preciso não esquecer que muitas formas corretas do falar culto chegaram até aí ao seguir as mesmas tendências que produzem as formas "erradas", como é o caso de "barata" e "praça" (do latim blata e platea). Há ainda certas pronúncias que a norma culta classifica de erradas, mas encontráveis entre os falantes escolarizados, como "previlégio", no lugar de "privilégio".

Em segundo lugar, há a questão dos regionalismos. Em certas regiões brasileiras, particularmente no Nordeste, ocorre a despalatização do /l /, que passa a / l /, como em mulher > mulé e folhinha > fulinha. Observa-se lá também a abertura da vogal pretônica (situada antes da vogal tônica), como em feliz, com "é" aberto - /fe'lis/ - e coronel, com os dois "ó" abertos -
/'klrl'new/. Finalmente, são muito comuns no falar nordestino pronúncias como "rezistro", em vez de "registro", e "conzinha" (/kõ'ziña/), em vez de "cozinha", mesmo entre os falantes escolarizados. Em vastas regiões do Brasil, nas palavras oxítonas terminadas em vogal seguida de /s/, há ditongação, como "rapais", em vez de "rapás" (rapaz), "fregueis", em vez de freguês e "arrois", em vez de arrôs (arroz), independentemente de nível sociolingüístico. Todas as pronúncias exemplificadas neste parágrafo são válidas no âmbito da língua culta, desde que a escrita permaneça conforme a norma ortográfica vigente no País.

Por fim, é preciso distinguir duas áreas do conhecimento envolvidas diretamente com a questão ora tratada:
Fonética, ramo da Lingüística, disciplina eminentemente descritiva, que não se preocupa com certo e errado, mas se interessa pela descrição da realidade lingüística como ela se apresenta, considerados todos os falantes da língua.
Ortoépia, parte da Fonética Normativa, esta, por sua vez, ramo da Gramática. É a Ortoépia que determina como devem ser articulados os sons da língua, quais as pronúncias corretas e as incorretas dos fonemas.

Leia mais em:
A língua do Brasil, de Gladstone Chaves de Melo.
Dicionário de Lingüística, de Jean Dubois e outros.
Dicionário de Lingüística, de Zélio dos Santos Jota.
Gramática histórica, de Ismael de Lima Coutinho.
Gramática metódica da língua portuguesa, de Napoleão Mendes de Almeida.
Nova gramática do português contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra, capítulo "A noção de correto", p. 4.

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