Você sabia? n.º 32 - Sexta, 15.06.2001
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Você sabia... que o obscurecimento de sentido pode provocar reforço morfológico em formas lingüísticas?

Há vários casos na história da língua em que os falantes, com o passar do tempo, sentem necessidade de reforço morfológico em certas palavras cujo significado já lhes parece algo "enfraquecido" ou mesmo obscurecido. Aí acrescentam morfemas que, embora redundantes, revitalizam o conteúdo significativo original. Vejamos o caso do pronome comigo, formado de "com + migo". Mas o que é esse "migo"? "Migo" é resultado da transformação fonética do latim "mecum" (que significava exatamente "comigo"), onde já estava embutida a preposição "com" (cum, em latim). Com o passar do tempo, os falantes não "sentiram" mais a presença do "com" em mecum e acrescentaram mais um "com" (cum + me + cum > cummecum > comigo). Daí o vocábulo "comigo", em rigor, conter dois "com". Esse fenômeno também ocorreu com as formas contigo, consigo, conosco e convosco (oriundas do latim tecum, secum, nobiscum e vobiscum, acrescidas da preposição cum, com.). Algo muito parecido aconteceu com o verbo suicidar-se. Originalmente, "suicidar" já era verbo reflexivo por conter o elemento "sui" (do latim sŭī, pronome reflexivo da terceira pessoa, com o significado de "de si"). Posteriormente, o valor reflexivo de "sui" apagou-se na percepção dos usuários da língua, que sentiram a necessidade de reavivá-lo. O verbo recebeu o reforço do pronome "se" e assumiu a forma pronominal de hoje: suicidar-se. Atualmente, processo semelhante ocorre com o uso de "e etc.". (Veja, a respeito, a Dica n.º 12.)


Leia também em:
Dicionário de questões vernáculas, de Napoleão Mendes de Almeida, verbete "Semântica".
Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa, de Antônio Geraldo da Cunha, verbete "Se1".
Dicionário latino-português, de Francisco Torrinha.
Gramática metódica da língua portuguesa, de Napoleão Mendes de Almeida, § 319.

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