Você sabia? n.º 83 - Sexta, 26.03.2004
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Você sabia que o Appendix Probi é uma das poucas fontes de conhecimento do latim popular, também dito “vulgar”? Pois é... Mas em que consiste ele? Vejamos.

A obra foi elaborada por gramático cujo nome não nos chegou e possivelmente foi escrita em Roma, no século III. Possui alto valor para o estudo do latim e das línguas românicas e permite-nos observar algumas alterações que já se processavam e que prosseguiram depois e fizeram o latim transformar-se naquelas línguas, entre as quais o português. Não se trata de gramática ou obra sobre a língua, mas de lista de 227 palavras do vocabulário culto e as formas correspondentes na língua popular, com a recomendação de estas não serem empregadas. Vejamos algumas delas:

Latim   Latim Formas resultantes em português
erudito   popular  
alveus non albeus Não chegou ao português. Designava “vasilha de madeira”, “porão de navio”, “cavidade”, etc. O gramático aí critica a alternância b/v.
ansa non asa asa
articulus non articlus artelho
auris non oricla orelha
calida non calda calda (substituída por “quente”. Cf. Poços de Caldas, Caldas Novas = águas quentes)
columna non colomna coluna
facies non facis face
nunquam non nunqua nunca
oculus non oclus olho
persica non pessica A forma atual é a culta pérsica (da Pérsia) *
rivus non rius rio (curso d’água)
socrus non socra sogra
speculum non speclum espelho
vinea non vinia vinha (parreira)
viridis non virdis verde
vobiscum non voscum vosco. Observe que com o tempo a presença de “com” (voscum) apagou-se na mente dos falantes e eles sentiram necessidade de empregar mais um “com”, que resultou no atual convosco.

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* A forma masculina pessicu em fructu pessicu originou a atual “pêssego”.

A importância desse documento está no fato de podermos compreender muitas formas do português atual, como “orelha”, oriunda de oricla, pronúncia popular do diminutivo culto auricula – de auris. Repare nas várias síncopes, ou seja, quedas de fonemas no interior dos vocábulos.


Leia mais em:
Gramática histórica, de Dolores Garcia Carvalho e Manoel Nascimento, pp. 16-17.
Gramática histórica, de Ismael de Lima Coutinho, § 54.