Você sabia...
que, com relação ao latim, as línguas
ibéricas são mais conservadoras do que as do
restante da România?
Há teoria que afirma terem as línguas e dialetos
da periferia lingüística tendência a ser
mais conservadores do que o centro irradiador. Assim, o português
brasileiro mantém formas hoje consideradas arcaicas
em comparação com a língua de Lisboa,
a exemplo do uso do gerúndio para designar ação
em processo: port. bras. “Estou trabalhando”;
port. lus. “Estou a trabalhar”. Esse emprego do
gerúndio, completamente em desuso no falar lisboeta,
está presente em Camões: “Cantando
espalharei por toda parte...” (CAMÕES,
Os lusíadas, I, 2:7).
Da mesma forma, as línguas de origem latina da península
ibérica são mais conservadoras do que outras
do mundo românico, como o francês.
B. E. Vidos afirma que “de las lenguas iberorrománicas,
el portugués y el español son más conservadores
que el catalán, y el portugués lo es más
que el español”. (Veja indicação
bibliográfica no final do texto.) Vamo-nos ocupar especialmente
do português e do espanhol e de um em comparação
com o outro.
Ainda no tempo do latim, surgiu em Roma a inovação
lingüística manducare, que originou o
francês manger e o italiano mangiare.
Por essa época, vigorava a forma comedere,
mais antiga. Pois ela se manteve no latim ibérico e
deu origem ao português e ao espanhol comer.
Da mesma maneira, os vocábulos latinos cuius,
percuntari y metiri somente se conservaram
– com alterações fonéticas, é
claro – nessas duas línguas e no sardo (idioma
nativo da ilha italiana da Sardenha, no mar Tirreno) e originaram
o port. cujo, perguntar, medir;
esp. cuyo, preguntar, medir e o
sardo cuju, preguntare, medire.
Frente ao espanhol, o português apresenta vários
traços arcaicos, que o aproximam mais da língua-mãe,
como a conservação das vogais latinas, o que
nem sempre aconteceu no espanhol, que mudou o timbre da vogal
ou a ditongou:
latim
acetu
dece
faba
filu
fumu
rota
sudore |
português
azedo
dez
fava
fio
fumo
roda
suor |
espanhol
acedo (O espanhol manteve /s/.)
diez
haba
hilo (Em compensação, o espanhol conservou
/l/.)
humo
rueda
sudor (Apesar de menos conservador em relação
ao
português, o espanhol manteve /d/.) |
No campo morfológico, a manutenção do
infinitivo
flexionado, traço tão típico do português
(mas também existente no sardo), é fator de
conservadorismo frente ao espanhol. Do mesmo modo, a mesóclise,
usual no português culto, foi abandonada por aquela
língua, assim como pelo provençal e o catalão.
Encontramos, por exemplo, a forma partir nos emos
no “Cantar del mío Cid”, séc. XII
(Cf. VIDOS,
1968: 362).
Outro traço arcaizante do português diante do
espanhol é a resposta afirmativa a perguntas como “Você
vai comigo?” e “Seu pai dará permissão?”:
“Vou” e “Dará” ou “Vai
dar”, em vez de “Sim”, ao passo que à
mesma indagação o falante espanhol responderá
naturalmente “Sí”. Isso é nítida
herança latina, pois a resposta à pergunta “Dare
mihi illud habes?” seria “Dare habeo”. A
mesma pergunta em português erudito: “Dar-mo-ás?”
e a resposta: “Darei”.
Os especialistas consideram o francês língua
românica mais inovadora – e mais diferente –
que as demais da mesma família, e o italiano, a mais
conservadora depois do sardo. O italiano, aliás, é
o ”filho mais parecido com o pai”.
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