Você sabia? n.º 103 - Sexta, 25.11.2005
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Você sabia... por que ocorreu o hiperbibasmo ao longo da história da língua portuguesa?

“Hiperbibasmo” é o termo técnico que se refere ao avanço ou recuo do acento tônico. Compreende a sístole e a diástole.

A sístole é o recuo do acento tônico de uma sílaba para a anterior. Como conseqüência, vocábulos paroxítonos tornam-se proparoxítonos, e oxítonos, paroxítonos. Exemplos: benção > bênção, pantanu > pântano, campana > campa, idolu > ídolo. A sístole, como fenômeno sincrônico (muito comum na poesia, incluídas as letras de músicas), classifica-se como metaplasmo. Considerada fato diacrônico, é mudança fonética.

A diástole consiste no avanço do acento tônico de uma sílaba para a seguinte. Conseqüentemente, vocábulos proparoxítonos tornam-se paroxítonos, e paroxítonos, oxítonos. Exemplos: gemitu > gemido, judice > juiz, limite > limite, oceanu > oceano. Formas verbais também foram atingidas pela tendência, como dubitat > duvida e nominat > nomea > nomeia. Compare com os substantivos correspondentes, que curiosamente mantiveram o acento original: vida e nome.

A diástole também pode ser fenômeno sincrônico, caso em que se classifica como metaplasmo. Uma vez fato diacrônico, é mudança fonética. Ela continua a ocorrer, como em aete > ariete, todo > catodo, clítoris > cliris, etrodo > eletrodo, têxtil > textil, Martinez > Martinez. Oceania decorre de influência hispânica, já que a forma portuguesa deveria ser Oceânia.

As causas do hiperbibasmo são nossas velhas conhecidas: a lei do menor esforço e a analogia. (Leia mais clicando aqui.) Esta, por sua vez, também tem suas causas.

Assim, os falantes lusófonos têm a tendência para evitar as proparoxítonas, cuja pronúncia é mais trabalhosa. Por isso, freqüentemente as transformam em paroxítonas, como vimos em parágrafo anterior. Mas em vários casos o fenômeno ocorreu ainda no latim vulgar, como em cathedra > cathedra > cadeira, integru > integru > inteiro, muliere > muliere > mulher.

A analogia foi forte fator de deslocamento do acento tônico nas conjugações verbais do latim popular ou vulgar. Dessa maneira, quando da fusão da segunda com a terceira conjugação, as formas verbais desta foram influenciadas pelo acento daquela, como em dicimus > dizemos, facere > facere > fazer, ponere > ponere > poer > pôr, vendere > vender. As formas do singular e da terceira pessoa do plural do imperfeito do indicativo e de outros modos do latim erudito influenciaram as flexões do plural no latim popular. Desse modo, por analogia com a terceira pessoa do plural amabant, a primeira do plural amabamus tornou-se avamos.

O fator analógico também atuou em alguns substantivos, que, por força da evolução fonética, acabaram terminando em vogal nasal e ficaram com fonema nasal na sílaba anterior. Nesses casos, a influência de nomes terminados em /a/ átono fez com que aqueles perdessem a ressonância nasal e sofressem sístole, como campana > cam > campa, *ventana > ven > venta, quintana > quin > quinta. Nas palavras em que a vogal nasal permaneceu e não havia fonema nasal na sílaba precedente, o acento não se deslocou: avelã, irmã, terçã, etc.


Leia mais em:
Do latim ao português, de Edwin B. Williams, §§ 122, 3, B; 148, 1, b; 153; 154.
Gramática histórica, de Dolores Carvalho e Manoel Nascimento, pp. 37-38.
Gramática histórica, de Ismael de Lima Coutinho, §§ 234-237.