Você sabe... o que é
“galicismo” e por que os gramáticos tradicionalistas
são tão resistentes a ele?
Galicismo ou francesismo é a palavra, expressão
ou construção de origem francesa ou o ato de
utilizá-la em nossa língua. O galicismo é
considerado barbarismo em sentido restrito
se se trata de uso desnecessário por já haver
forma vernácula equivalente. Se, porém,
tal importação vem preencher lacuna da língua,
é bem-vinda e é então considerada simples
estrangeirismo.
Diz-se “galicismo” em referência a “Gália”,
nome da província romana que corresponde à atual
França. Por isso, nosso prefixo “galo-“
remete à cultura e às coisas desse país,
como galo-romance, (romance falado
na Gália), galo-romano (relativo à
civilização romana na Gália) e galofobia
(aversão aos franceses ou a tudo o que é próprio
da França).
Exemplos de galicismos são as palavras abajur
(de “abat-jour”), buquê (de “bouquet”),
carnê (de “carnet”), crochê
(de “crochet”), filé (de “filet”);
as expressões cair das nuvens, guardar o leito,
golpe de Estado, perder a cabeça, ter lugar; o
verbo “acontecer” com o sentido de “ocorrer”:
“A comemoração acontecerá
em 10 de setembro” (em vez de “ocorrerá”).
São construções francesas: “Isso
não é para qualquer um”
(em vez de “qualquer pessoa” ou “uma pessoa
qualquer”) e “Vende-se casas”
(em vez de “vendem-se”), em que o “se”
é sujeito indeterminado por ser morfologicamente classificado
como partícula de indeterminação do sujeito.
Equivale ao “on” francês.
É também considerado galicismo o emprego indiscriminado
da preposição “a”, especialmente
quando pode ser substituída por “com”,
“de” ou “em”, como em “chocolate
ao leite” (com leite), “entrega
a domicílio” (em domicílio),
“equação a duas incógnitas”
(de duas incógnitas), “falar ao
telefone” (no telefone) e “situado à
avenida 7” (na avenida).
Ainda que os galicismos (e outros barbarismos em sentido
restrito) devam ser evitados, não os podemos considerar
erro. Quem assim age demonstra desinformação.
Aos leigos isso é perdoável, mas os professores
não podem incorrer nesse equívoco.
A importação para a nossa língua de
palavras e expressões francesas tem origem muito antiga.
O recebimento de galicismos data da Idade Média, dada
a influência que a literatura daquela região,
notadamente a provençal, exerceu nas letras portuguesas.
Muito tempo depois, no século XIX, tal influência
foi proeminente no Brasil. Por essa época, era chique
(outro galicismo) falar francês e usar roupas e consumir
produtos vindos de Paris.
Tudo isso considerado, ainda paira no ar uma questão:
por que os gramáticos – especialmente os tradicionalistas
– implicam tanto com os galicismos e não fazem
o mesmo com os anglicismos (importações inglesas),
formas estrangeiras muito mais invasivas atualmente? Resposta:
por atitude equivocada e, de certo modo, tão colonizada
como a das pessoas que reproduzem servilmente tais usos. A
explicação é a seguinte: depois da ocupação
francesa de Portugal, no início do século XIX,
ordenada por Napoleão Bonaparte, os portugueses ressentiram-se
profundamente, com razão, dos excessos praticados pelas
tropas invasoras. A partir daí, passaram a demonstrar
prevenção contra os empréstimos lingüísticos
de origem francesa.
Agora, perguntamos: e nós, brasileiros, o que temos
com isso? Não fomos invadidos e se temos de manifestar-nos
a respeito só pode ser para agradecer a Napoleão:
foi graças àquela invasão que a família
real portuguesa mudou-se para o Brasil e isso acarretou progresso
e muitos benefícios para o País, como a criação
do Banco do Brasil e do Jardim Botânico do Rio de Janeiro,
a vinda da missão artística francesa (que ironia!)
após a queda de Napoleão e vários outros.
Não há, portanto, razão que se sustente
para reprovarmos por aqui os galicismos mais do que os demais
barbarismos. Além disso, muitos deles estão
de tal forma arraigados em nossos usos lingüísticos
que nem os percebemos como estrangeiros. Quem, por exemplo,
não reconhecerá os francesismos “chefe”
(de “chef”) e “maré” (de “marée”)
como palavras nossas?
Finalmente, vai aqui atrevido desafio: se os puristas brasileiros
querem banir os galicismos da língua portuguesa, que
comecem por propor a substituição do nome do
nosso país. Sim, de acordo com João Ribeiro,
“Brasil” foi o primeiro desses estrangeirismos
a chegar por estas bandas. Garante ele que a palavra “braisil”,
conhecida na Europa desde os tempos medievais, designava madeira
provinda do Oriente, que produzia tintura de cor vermelha.
Os piratas franceses vinham a esta terra retirar e levar a
madeira, atividade a que designavam “fazer o brasil”.
Em conseqüência, aquele autor afirma que “Brasil,
conseguintemente, é o nosso nome e o nosso primeiro
galicismo” e “Brasil é nome francês
na forma e na fase histórica em que o recebemos”.
Se os tradicionalistas empedernidos persistem em seu propósito,
sugerimo-lhes, em vez de “Brasil”, usar “Ibirapitanga”,
nome tupi-guarani do pau-brasil.
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