Você sabia? n.º 115 - Sexta, 24.11.2006
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Você sabe... o que é “galicismo” e por que os gramáticos tradicionalistas são tão resistentes a ele?

Galicismo ou francesismo é a palavra, expressão ou construção de origem francesa ou o ato de utilizá-la em nossa língua. O galicismo é considerado barbarismo em sentido restrito se se trata de uso desnecessário por já haver forma vernácula equivalente. Se, porém, tal importação vem preencher lacuna da língua, é bem-vinda e é então considerada simples estrangeirismo.

Diz-se “galicismo” em referência a “Gália”, nome da província romana que corresponde à atual França. Por isso, nosso prefixo “galo-“ remete à cultura e às coisas desse país, como galo-romance, (romance falado na Gália), galo-romano (relativo à civilização romana na Gália) e galofobia (aversão aos franceses ou a tudo o que é próprio da França).

Exemplos de galicismos são as palavras abajur (de “abat-jour”), buquê (de “bouquet”), carnê (de “carnet”), crochê (de “crochet”), filé (de “filet”); as expressões cair das nuvens, guardar o leito, golpe de Estado, perder a cabeça, ter lugar; o verbo “acontecer” com o sentido de “ocorrer”: “A comemoração acontecerá em 10 de setembro” (em vez de “ocorrerá”).

São construções francesas: “Isso não é para qualquer um” (em vez de “qualquer pessoa” ou “uma pessoa qualquer”) e “Vende-se casas” (em vez de “vendem-se”), em que o “se” é sujeito indeterminado por ser morfologicamente classificado como partícula de indeterminação do sujeito. Equivale ao “on” francês.

É também considerado galicismo o emprego indiscriminado da preposição “a”, especialmente quando pode ser substituída por “com”, “de” ou “em”, como em “chocolate ao leite” (com leite), “entrega a domicílio” (em domicílio), “equação a duas incógnitas” (de duas incógnitas), “falar ao telefone” (no telefone) e “situado à avenida 7” (na avenida).

Ainda que os galicismos (e outros barbarismos em sentido restrito) devam ser evitados, não os podemos considerar erro. Quem assim age demonstra desinformação. Aos leigos isso é perdoável, mas os professores não podem incorrer nesse equívoco.

A importação para a nossa língua de palavras e expressões francesas tem origem muito antiga. O recebimento de galicismos data da Idade Média, dada a influência que a literatura daquela região, notadamente a provençal, exerceu nas letras portuguesas. Muito tempo depois, no século XIX, tal influência foi proeminente no Brasil. Por essa época, era chique (outro galicismo) falar francês e usar roupas e consumir produtos vindos de Paris.

Tudo isso considerado, ainda paira no ar uma questão: por que os gramáticos – especialmente os tradicionalistas – implicam tanto com os galicismos e não fazem o mesmo com os anglicismos (importações inglesas), formas estrangeiras muito mais invasivas atualmente? Resposta: por atitude equivocada e, de certo modo, tão colonizada como a das pessoas que reproduzem servilmente tais usos. A explicação é a seguinte: depois da ocupação francesa de Portugal, no início do século XIX, ordenada por Napoleão Bonaparte, os portugueses ressentiram-se profundamente, com razão, dos excessos praticados pelas tropas invasoras. A partir daí, passaram a demonstrar prevenção contra os empréstimos lingüísticos de origem francesa.

Agora, perguntamos: e nós, brasileiros, o que temos com isso? Não fomos invadidos e se temos de manifestar-nos a respeito só pode ser para agradecer a Napoleão: foi graças àquela invasão que a família real portuguesa mudou-se para o Brasil e isso acarretou progresso e muitos benefícios para o País, como a criação do Banco do Brasil e do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, a vinda da missão artística francesa (que ironia!) após a queda de Napoleão e vários outros.

Não há, portanto, razão que se sustente para reprovarmos por aqui os galicismos mais do que os demais barbarismos. Além disso, muitos deles estão de tal forma arraigados em nossos usos lingüísticos que nem os percebemos como estrangeiros. Quem, por exemplo, não reconhecerá os francesismos “chefe” (de “chef”) e “maré” (de “marée”) como palavras nossas?

Finalmente, vai aqui atrevido desafio: se os puristas brasileiros querem banir os galicismos da língua portuguesa, que comecem por propor a substituição do nome do nosso país. Sim, de acordo com João Ribeiro, “Brasil” foi o primeiro desses estrangeirismos a chegar por estas bandas. Garante ele que a palavra “braisil”, conhecida na Europa desde os tempos medievais, designava madeira provinda do Oriente, que produzia tintura de cor vermelha. Os piratas franceses vinham a esta terra retirar e levar a madeira, atividade a que designavam “fazer o brasil”. Em conseqüência, aquele autor afirma que “Brasil, conseguintemente, é o nosso nome e o nosso primeiro galicismo” e “Brasil é nome francês na forma e na fase histórica em que o recebemos”. Se os tradicionalistas empedernidos persistem em seu propósito, sugerimo-lhes, em vez de “Brasil”, usar “Ibirapitanga”, nome tupi-guarani do pau-brasil.


Leia mais em:
A língua nacional; e outros estudos lingüísticos, de João Ribeiro, pp. 213-215.
Dicionário gramatical da língua portuguesa, de Celso Pedro Luft, verbete “Galicismo”.
Gramática histórica, de Ismael de Lima Coutinho, § 332.
Gramática metódica da língua portuguesa, de Napoleão (hi!) Mendes de Almeida, §§ 868; 361, nota 2; 406; 546, nota 1 e outros.
Saite do prof. Paulo Hernandes, pág. “Você sabia? n.º 46”.
Saite da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Núcleo de Computação Eletrônica. Figuras e vícios de linguagem. Vícios de linguagem; barbarismo. Disponível: http://intervox.nce.ufrj.br/~edpaes/figuras.htm . Consultado em 28 de outubro de 2006.