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Você sabia... que é
tendência da língua portuguesa a eliminação
do hiato?
Isso não quer dizer que a língua tenha “vontade
própria”, mas que os falantes lusófonos
têm aversão ao hiato (em razão da lei do
menor esforço) e procuram, ao longo do tempo, desfazê-lo
de várias maneiras. O fenômeno já ocorria
no latim popular lusitânico, como se observa em antiquus
> anticus, cohortem > cortem, consilii > consili, quattuor
> quattor, etc. Continuou no português arcaico
até chegar à língua atual. Vejamos quais
são os recursos normalmente utilizados para supressão
do hiato: |
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crase – Foi
em fins do século XIII que começou a crase –
fusão de vogais iguais em hiato – em português.
Se as duas vogais eram átonas, a crase ocorreu mais cedo
do que se uma delas fosse tônica. Exemplos de eliminação
do hiato por crase: caente > queente > quente, escaecer
> esqueecer > esquecer, legere > leer > ler, magister
> meestre > mestre, mola > moo > mó, nudu
> nuu > nu, oraculu > oragoo > orago (arc.),
palatiu > paaço > paço, palumba > poomba
> pomba, portugales > portuguees > português,
sagitta > seeta > seta, sedere > seer > ser, tenere
> teer > ter, uidere > veer > ver.
A crase não poupou nem palavras indígenas incorporadas
ao português brasileiro, como caapon > capão
(trecho de mato), Caa+Açu (mata grande)>
Caaçu > Caçu (cidade goiana),
caatingueira > catingueira (tipo de arbusto).
A persistência de caatinga possivelmente decorre
da necessidade de diferenciação de catinga
(mau cheiro).
Como é tendência da língua, a crase continua
a ocorrer: cooperativa > *coperativa (/kopera’tiva/),
coordenador > *cordenador (kordena’dor/),
álcool > *alco (/’alko/).
A grafia permanece conservadora, mas na pronúncia já
de há muito ocorreu a crase. |
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absorção por
consoante da mesma natureza – Se uma consoante
precedia duas vogais átonas – na condição
de todas serem fonemas orais –, em muitos casos, uma das
vogais desapareceu: angelo > angeo > anjo, rigidu
> rigeo > rijo. |
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ditongação –
Outra forma de desfazer o hiato é a ditongação.
Isto pode ocorrer mediante a intercalação de semivogal
epentética
entre a tônica e a átona final, como em arena
> area > areia, cena > cea > ceia,
credo> creo > creio, fœdu > feo
> feio, frenu >
freo > freio, lego > leo > leio,
mediu> meo > meio, plenu > cheo >
cheio, tela > tea > teia.
Outras vezes, a ditongação operou-se pela
simples transformação do hiato em ditongo por
oclusão (passagem de vogal a semivogal), como em amatis
> amaes > amais, aranea > aranya
> aranha, cœlu > ceo > céu,
ego > eo > eu, malu > mao > mau,
muralia > muralya > muralha, padre >
pae > pai, palea > palya
> palha, palu > pao > pau, pinea >
pinya > pinha, soles > soes > sóis,
velu > veo > véu.
O fenômeno continua. Observe como os nomes Lea e Andrea
são costumeiramente pronunciados: /’leya/
e /ã’dreya/.
Repare também na pronúncia de “óleos”,
onde a transformação foi /‘ leos/
> /’ lyos/
> /’ los/.
Assim, esta palavra tornou-se homônima de “olhos”.
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palatalização
– Consoante palatal interpôs-se entre vogais em
hiato para o eliminar em razão de desnasalização
da vogal anterior: gallina> gallĩa > galinha, litania>
lidaĩa > ladainha,
mea> mĩa > minha, vinu>
vĩo > vinho. Remanescentes
dessas formas arcaicas encontram-se na pronúncia popular
em regiões brasileiras, como o Nordeste. |
Em muitos casos, porém, o hiato latino resistiu e chegou
até o português arcaico – onde desapareceu
em razão das causas acima – ou conseguiu mesmo
persistir até nossos dias. As razões são
distintas, como se pode ver: |
a) |
a consoante intervocálica manteve-se
por mais tempo e favoreceu a continuidade do hiato, que se formou
depois da queda daquele fonema, como em dolere > doer,
molere > moer, palude > padule > paul, salire >
sair; |
b) |
influência externa, ação
de fonema nasal ou as duas causas: regina > reĩa > rainha (por influência
de rei e reino, não houve assimilação
do /e/ ao /i/, o que teria produzido /ii/ e, muito provavelmente,
crase); bona > bõa > boa (a ressonância
nasal impediu a assimilação, o que favoreceu a
permanência do hiato); |
c) |
vogal tônica e átona em hiato –
A átona dissimilou-se (passou de vogal média para
alta) se era mais fechada que a tônica na série
/a, e, e, i/ ou na série
/a, , o, u/.
Isso impediu a ocorrência ou persistência de vogais
iguais e, conseqüentemente, a crase: fidele > *feel
> fiel, genesta > geesta > giesta (tipo de arbusto),
uenariu > veeiro > vieiro (veio mineral, filão),
uenatu > veado > *viado (só na pronúncia,
por ora), ueneria > veeira > vieira (abano ou
tipo de concha). |
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