Você sabia? n.º 100 - Sexta, 26.08.2005
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Você sabe... o que é brasileirismo?

Brasileirismo é todo o fato lingüístico peculiar à variedade brasileira da língua portuguesa, que contribui para distingui-la do português lusitano. Assim, só devem ser consideradas brasileirismos as inovações tipicamente nossas, inexistentes agora ou no passado em Portugal.

Os brasileirismos classificam-se como fonéticos, morfológicos, sintáticos, lexicais e semânticos.

  • fonéticos – Maior lentidão na fala aqui do que no português europeu. Vogais pronunciadas de forma mais nítida, mesmo as átonas.
  • morfológicos – Adoção do pronome de tratamento você como substituto de tu na maior parte do Brasil. Simplificação das flexões verbais na língua popular, as quais normalmente comportam duas formas: a da primeira pessoa do singular e outra que vale para as demais pessoas. Exemplo: eu vou, tu vai, ele vai, nóis vai, vós vai, eles vai.
  • sintáticos - Tendência à próclise, em contraste com a ênclise, natural no além-mar. O brasileiro diz normalmente “Me passe o arroz”, ao passo que o português fala “Passa-me o arroz”. Isso se dá porque em Portugal os oblíquos são mais átonos do que no Brasil e assim necessitam, de fato, apoiar-se no verbo a que se ligam. Por aqui, gozam de certa independência fonética. A disparidade da colocação pronominal entre Portugal e Brasil decorre, pois, da forma como portugueses e brasileiros pronunciam as mesmas palavras.
  • lexicais – Todos os vocábulos e expressões criados no Brasil, desde o descobrimento, e inexistentes em Portugal são brasileirismos. Para isso, houve importante contribuição indígena e africana. Citam-se como exemplos canjica, tapera, chorar pitanga (ou pitangas) e provérbios como “Por fora, muita farofa; por dentro, molambo só”.
  • semânticos – Trata-se de:
    - novos sentidos atribuídos por aqui a significantes comuns a Brasil e Portugal, como cangaço (Brasil: banditismo nordestino; Portugal: resíduo de uvas), borrachudo (Brasil: tipo de mosquito, cheque sem fundos; Portugal: redondo como borracha), capão [Brasil: porção de mato isolado no campo; animal (frango, porco, carneiro, etc.) castrado; Portugal: somente o segundo sentido];
    - mesmos significados que se associaram a significantes diferentes aqui e lá, como “caminho pavimentado para pedestres”, que no Brasil associou-se a calçada, ao passo que em Portugal vinculou-se a passeio; “composição ferroviária”, que no Brasil associou-se a trem e em Portugal, a combóio; “grupo de atletas que praticam alguma modalidade esportiva coletiva”: no Brasil, time, equipe; em Portugal, equipa.

É preciso, contudo, evitarmos considerar brasileirismos usos que na verdade são puros lusismos, apenas arcaizados. Como exemplo, citamos a colocação do pronome reto como complemento verbal, prática encontrada em diversos textos arcaicos portugueses, como neste de Fernão Lopes: “El-rei mandou-o logo prender, e levaram ele e Mateus Fernandes a Sevilha” (Fernão Lopes, D. Fernando, apud COUTINHO, 1958). Outro falso brasileirismo é o emprego da preposição “em” com verbos que indicam movimento, como “Vou na igreja”. Em “Os lusíadas”, VI, 17-18, lemos: “Os cabelos da barba e os que decem da cabeça nos ombros”. Mais um: a flexão de haver com sentido de “existir”, com em “Houveram muitas pessoas na solenidade”. O ilustre escritor português Castilho escreveu: “Chegam a afirmar haverem por lá, ainda no século passado, hospitais” (Castilho, A primavera, idem). Há vários outros.

A verdade é que dois fatores importantes caracterizam o português brasileiro em contraste com o lusitano: unidade e arcaicidade, conforme observou Serafim da Silva Neto. No Brasil, a despeito da imensidão territorial e da variada imigração européia e asiática, mantivemos a unidade lingüística. Tanto é que não possuímos dialetos, mas apenas falares regionais, enquanto Portugal tem dialetos de norte a sul. O português brasileiro é arcaico em relação ao lusitano, especialmente à língua de Lisboa. Lembremo-nos de que a língua que os colonizadores trouxeram para o Novo Mundo foi o português do século XV. Enquanto o falar da metrópole evoluía celeremente, na periferia, ou seja, na colônia, a língua mantinha-se mais conservadora. Isso vale para todas as metrópoles, colônias e ex-colônias. Exemplo clássico é o emprego generalizado do gerúndio por aqui (estou trabalhando agora, ficou limpando os móveis), ao passo que em Portugal tal uso se arcaizou há séculos e lá se emprega geralmente o infinitivo nesses mesmos contextos (estou a trabalhar agora, ficou a limpar os móveis). Há pronúncias ainda encontradas nas regiões rurais do interior brasileiro, especialmente do Nordeste, verdadeiras relíquias, autênticas testemunhas de estágios lingüísticos já há séculos superados, como fruita (fruta), dereito (direito), ermão (irmão), saluço (soluço), malino (maligno), vĩo (vinho).


Leia mais em:
A língua nacional e outros estudos lingüísticos, de João Ribeiro, pp. 51-64.
Dicionário gramatical da língua portuguesa, de Celso P. Luft, verbete “Brasileirismo”.
Gramática histórica, de Ismael de Lima Coutinho, §§ 605-612.
Moderna gramática portuguesa, de Evanildo Bechara, pp. 325-326.
Saite do prof. Paulo Hernandes, págs. Você sabia? n.º 9.
Saite do prof. Paulo Hernandes, págs. Você sabia? n.º 11.
Saite do prof. Paulo Hernandes, págs. Você sabia? n.º 12.
Saite do prof. Paulo Hernandes, págs. Você sabia? n.º 54.